20110322

Ricardo mora na beira da praia junto de sua família, uma colônia de tatuíras.

As tatuíras (ou tatuís) são crustáceos, tipo um minitatu do mar. Nadam pela beirinha, surfam um pouquinho, pegam jacaré e cavam uns tuneizinhos na areia molhada para descansarem protegidas dos predadores. O problema é que as gentes andam por cima (e nunca olham para baixo) pisoteando as inofensivas criaturas. As pessoas, essas assassinas, deviam é notar bem as marquinhas em V deixadas pelas tatuíras quando perfuram a areia, e lhes agradecer por habitarem aquela praia: tatuíra é bicho fino, só mora em praia limpa.

As tatuíras não usam nem relógio, nem agenda, nem calendário. Para uma tatuíra, o tempo passa de acordo com seu fluxo cardíaco, quanto mais rápido bate seu coraçãozinho, mais depressa sua vida acaba. Por isso Ricardo é sossegado, quieto na sua, tranquilaço. Quer morrer tarde. Sua mãe, trabalhadeira, morreu quando ele e suas irmãs e irmãos ainda eram larvinhas à deriva no oceano. Seu pai, nem conheceu. Parece que ainda adolescente, logo após ovar sua mãe e mais duas tias, foi pego por uma guria de maiô purpurinado alaranjado e uns lacinhos roxos. Pois a monstra sádica quis guardá-lo para si e o colocou na piscininha mijada do irmãozinho. Mesmo antes de esturricar na areia seca, o minicoraçãotatu já tinha se esgotado.

Mas as tatuíras não guardam mágoa. Não que as tatuíras sejam seres repletos de bondade e benquerença, é questão de sobrevivência: um pequenino coração magoado não dura.

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